sábado, 11 de julho de 2009

OS DIAS DE CUIMBA

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MEMÓRIAS
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ENTRELINHAS DE UMA MEMÓRIA
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OS DIAS DE CUIMBA 4
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Quando tudo terminou e regressei aos meus aposentos, estava de rastos. Sentia-me doente. Decidi deitar-me. Sentia febre à mistura com arrepios de frio. Mão amiga ainda tentou que eu ingerisse algum alimento, mas não fui capaz.
Os corpos dos oficiais médicos foram depositados em urnas chumbadas, por forma a serem enviados para a Metrópole.
Salazar só fazia regressar os corpos dos seus soldados se as famílias pagassem as respectivas despesas! Sabia, no entanto, que tal seria praticamente impossível, dado o estado de pobreza que afectava a população portuguesa. Assim sendo, os três soldados foram a sepultar no cemitério militar de Cuimba, aumentando de cinco para oito as sepulturas aí existentes.
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No dia seguinte, Cuimba acordou sob uma atmosfera pesada. O 670 chorava os seus primeiros mortos e a capela era pequena para acolher tanta dor. Os que conseguiram acesso, viam com olhos incrédulos que dos rudimentares caixões teimava em sair o sangue ainda jovem dos companheiros. Ouviam também o comovido comandante homenagear os que partiram e exortar os que ficaram a levantar a cabeça e a não cometerem erros como o de agora.
No exterior da capela, três viaturas Unimog estavam a postos para encabeçarem o cortejo fúnebre até ao minúsculo cemitério, logo seguidas por outras viaturas transportando a guarda de honra, o comandante, alguns oficiais e sargentos e, por fim, o grosso dos companheiros. A viagem foi curta e dolorosa, não fora o roncar dos motores e quase poderia dizer que era audível o silêncio.

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Três salvas de tiros soaram no momento em que os féretros baixaram à ultima morada.
Estavámos visivelmente consternados, com as lágrimas correndo pela face. Lamentávamos que cinco vidas tivessem sido ceifadas de forma tão imprudente, revoltava-nos também o facto de ser negada às famílias a possibilidade de serem elas a sepultar os seus filhos.
Por esta altura o 670 levava já onze meses de isolamento. Em causa estava a sanidade mental dos seus homens e temia-se que este infausto acontecimento viesse agravar a situação.
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2 comentários:

Anónimo disse...

Infelizmente os acidentes como os que nos conta foram mais do que aquilo que parece.
A inconsciência que reinava nesses jovens, talvez o desejo de gritar de alguma forma o que lhes ia na alma, fizeram inúmeras vítimas.
Nas picadas, nas cidades, com as viaturas, com as próprias armas...
Os mortos por aí ficaram. Os mutilados cá os recebíamos quase diariamente, das 3 frentes, no Hospital Militar Principal, onde eu, por essa altura trabalhava.
Foi duro, meu Amigo.
Abraço
Jorge

Gaspar de Jesus disse...

FOI DURO FOI DOUTOR...!!!
Obrigado Jorge pela visita.
G.J.

5ª TERTÚLIA A 02 DE JULHO

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COM A ARTE NO OLHAR