A pequena povoação de Cuimba acolhia agora a C.C.S. (Companhia de Comando e Serviços) do Batalhão de Caçadores 670, autodenominada FRONTEIROS DA CANDA.
As instalações espalhavam-se ao longo de uma extensão de quatro centenas de metros e eram o exemplo acabado de como é possível acomodar tantos serviços tanta vida, em tão curto espaço.
No lado esquerdo da estrada, sentido São Salvador-Maquela do Zombo, tínhamos a Intendência, ou seja, os armazéns de víveres e bens de primeira necessidade. Da alimentação às urnas e caixões fúnebres, havia ali de tudo um pouco. Possuía também animais vivos e matadouro com competente magarefe. Seguiam-se as casernas dos sargentos, a cozinha, o refeitório, a padaria, a secretaria da unidade, as casernas das praças, os balneários e latrinas, a indispensável cantina ou bar, os geradores de electricidade, a capela e, por último, o campo de futebol.
Do lado direito, no mesmo sentido, surgia a casa do Comando e do SRT (Serviço de Reconhecimento das Transmissões), a que eu pertencia, logo depois a messe de oficiais, o gerador de electricidade do SRT, a oficina auto e, por fim, a enfermaria. Os postos de vigia estavam espalhados ao redor do aquartelamento e em todos havia uma cama. Servia-nos de fundo a imponente Serra da Canda.
Tínhamos consciência de que por ali se acoitava o MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola), logo, havia a possibilidade de os nossos movimentos estarem a ser controlados. Esta é, aliás, uma característica comum na guerra subversiva: o inimigo pode estar muito próximo, pode até ser-nos letal, mas não o vemos.
Os primeiros dias foram naturalmente de adaptação à nova casa, ao tratamento das roupas, à desinfecção de enxergas e camas de ferro, a fim de eliminar os mais que prováveis parasitas.
Funcionávamos com grande autonomia, dependendo do 670 apenas para as questões de alimentação e disciplina.
Escrever era a actividade em que eu mais ocupava os tempos livres. Escrevia para a mãe, para a namorada e para um ou outro amigo. Apreciava também uns agradáveis mergulhos no rio Cuilo, que distava uns breves quinze minutos, mas cujo acesso só era autorizado desde que nos constituíssemos em grupo devidamente armado.
Cuimba abastecia-se da água altamente ferrosa deste rio e isso obrigava a que a mesma apenas ficasse consumível após passar por um bem elaborado filtro de pedras e areia.
Pese embora o facto de não ser dotado para o pontapé na bola, não me inibia de participar numa ou noutra das muitas peladinhas que semanalmente tinham lugar no campo de futebol. Se a falta de jeito era comum à maioria dos elementos da “escuta”, era largamente compensada pela classe dos companheiros Simão e Carlos Roque (o Cadaval). Simão era um habilidoso e rapidíssimo estremo esquerdo das fileiras do Atlético Clube de Portugal. Dava autêntico show de bola, trocando os olhos aos defesas contrários. Já o Cadaval era um excelente defesa central da equipa do Caldas da Rainha Futebol Clube. No estilo “antes quebrar que torcer”, nunca virava a cara à luta. E se acontecia a bola passar por ele, era certo que o adversário não passaria. A forte amizade que ainda hoje mantemos só encontra paralelo na forma coriácea como cortava as jogadas dos adversários. Acredito que este terreno de jogo tenha sido palco de muitas alegrias e contribuído para o cimentar de fraternais amizades, mas a sua história ficará para sempre ligada ao maior ataque sofrido em Cuimba.
2 comentários:
muy bella imagen..Saludos
Gaspara, eu imagino as dificuldades naquela época.
Lindas imagens.
Abracos
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