Recordo-me de um casal de negros apanhado na mata. O seu estado geral era deplorável. Foram ambos encarcerados e alimentados, mas o inevitável interrogatório teve de esperar pela chegada de um intérprete, dado que apenas falavam Quicongo (dialecto predominante naquela zona de Angola).
Passado algum tempo “desapareceram”, sem que soubéssemos que destino lhes deram.
Gaspar de Jesus, Cadaval, Simão, Faria e Curado.
Pereira, João e Minga.
Convém lembrar que por esta altura já a Assembleia Geral das Nações Unidas fizera aprovar uma proposta de 40 países para debater Angola. Isso levou a que o embaixador português de então, bem como a restante delegação portuguesa abandonassem a Assembleia. Daí em diante Portugal passou a estar sob fogo intenso de críticas internacionais pelo seu comportamento no conflito angolano, o que levou à reacção de Salazar com a célebre frase do “orgulhosamente sós”.
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A chegada do correio e a sua distribuição constituíam momentos de grande agitação no aquartelamento. Em alvoroço, cercávamos o militar mensageiro que, em cima da viatura, lia em voz alta o número dos sortudos destinatários. No final, a alegria de uns contrastava com a tristeza de outros.
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O dia 28 de Abril de 1965 ficaria assinalado a negro na história de Cuimba.
Disputara-se nessa manhã um jogo de voleibol entre a C.C.S. e a companhia situada na Luvaca. Acabado o jogo, os forasteiros regressavam ao seu aquartelamento quando o desastre aconteceu.
Brutal desastre que vitimaria os cinco ocupantes da primeira das duas viaturas. Entre eles estavam os dois oficiais médicos do Batalhão.
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Na origem deste acidente esteve um dos erros mais cometidos no interior de Angola. Um dos médicos tomou o volante à saída do acampamento e meteu “prego a fundo” pela picada de retorno a Luvaca, provavelmente confiante de que, como era habitual, nada nem ninguém surgiria em sentido contrário.
Mas nessa fatídica manhã, uma Berliet (viatura pesada) saíra cedo para a mata em busca de lenha, regressava agora carregada e foi ao desfazer uma curva que os dois ocupantes viram surgir-lhes pela frente um Jeep em louca velocidade. Sem tempo para reagir, a pequena viatura com os cinco ocupantes enfaixou-se debaixo da Berliet. Em choque, perante tal quadro de horror, os restantes companheiros conseguiram a custo retirar as vítimas dos destroços regressando com elas a Cuimba.
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Berliet
Não mais esquecerei estes momentos de angústia.
Colocados no chão da enfermaria, os homens entraram em agonia, não havia médico (os que tínhamos estavam entre as vítimas) e os enfermeiros faziam o possível por prendê-los à vida até à chegada do helicóptero entretanto pedido. Tudo foi em vão.
Desorientados, com um arrepio a percorrer os nossos corpos ainda jovens, assistimos, impotentes, ao esvair daquelas cinco vidas, enquanto o capelão, de joelhos em terra, vergado sobre os trucidados corpos, ministrava os últimos sacramentos.
5 comentários:
Que triste Gaspar. Que dia fatal esse...imagino a angústia nos coracoes jovens de vocês.
Um grande abraco e bom fim de semana.
Sabe Gaspar, acredito que para você (e para nós também), esteja sendo bom lembrar, escrever e exorcisar muito das dores e angústias vividas tão jovem. Na poesia também faço isso, por vezes, arrumo, ordeno, sentimentos que de outra forma não conseguiria apreender completamente e me apossar deles como memória, dolorida, mas passada. Um grande bj, Cynthia
Eu realmente fui uma sortuda. Meu namorado na altura (marido 2 meses depois de ter chegado ao ultramar) foi mobilizado para Timor.
Depois de 2 meses de barco aportou a Díli, cidade pequena e simpática, com um clima extremamente quente e humido, capital de "última" província do Imperio.
Passei lá os 2 melhores anos da minha vida e a tropa era tb em regime de part-time, isto é, havia afazeres das 7 às 13 o que quer dizer que "estava a tropa fechada" a partir dessa hora.
Vivi numa moradia junto à praia e a 50m do Palácio do Governador o que quer dizer no centro da cidade.
Trabalhei nos Transportes Aéreos de Timor e adorei.
Assim, qd me deparo com as angústias vividas noutras colónias é que tenho consciência de qt devia ter agradecido pela sorte que tivemos.
GEORGIA (melhor mãe do mundo)
CYNTIA (enorme Poetisa)
GI (olá vizinha)
A TODAS O MEU MUITO OBRIGADO.
GI - essa da tropa fechar da parte de tarde dava uma bela Estória...rsrsrs
Caro Gaspar,
Na verdade o tempo que passei em TIMOR dava concerteza belas histórias, algumas hilariantes, outras ternurentas e ainda algumas caricatas.
Todos nós trabalhavamos, em Dili, apenas das 7 às 13h, reparticões públicas, Transportes Aéreos e até a "tropa". Aqueles que tinham lá família regressavam a suas casas depois do serviço diário cumprido.
Porquê esse horário de excepção?
Porque o clima era realmente muito agressivo, com médias anuais de28/29 graus e humidade a rondar os 100%.A cidade era servida por um gerador que devia ser do tempo da monarquia o que quer dizer que algumas vezes fazia greve, decidia ele próprio não trabalhar o que causava a impossibilidade física de todos nós suportarmos temperaturas extremamente elevadas em pleno local de trabalho.
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