O PACTO ORÇAMENTAL
"SE ELES ESQUECEM LEMBREMOS NÓS !"
BRILHANTE E OPORTUNO TEXTO PUBLICADO NO JORNAL PÚBLICO NO PASSADO DIA 21.
Foto:José Manuel Rodrigues
No domingo,
voltamos às urnas para eleger os deputados de um parlamento com
pouco poder
para operar as mudanças, muitas, de que a Europa carece. Sendo
assim no
plano político-burocrático, blindado para servir os poderosos, a
cidadania
europeia teria uma oportunidade ímpar (utopia a minha!) para
recuperar a
dignidade que a ganância levou e a solidariedade desaparecida, que
alimentou
outrora o sonho europeu. Mas a campanha dos partidos do Governo está
a ser um
desolador mar de esquecimentos.
Sendo o
Estado social um dos princípios fundadores da ideia europeia e uma
das
vertentes mais abalroadas pela intervenção que acabamos de sofrer, não
ouvimos
sobre o tema uma ideia nova, muito menos um par de soluções avançadas.
Sendo certo
que está a chegar nova onda de fundos comunitários, esperava eu
que a
campanha servisse para os candidatos se pronunciarem sobre a forma como
encaram as
prioridades para os utilizar. E não se tendo dado relevância que
baste aos
efeitos sociais da crise e ao acentuar dos desequilíbrios entre ricos
e pobres,
cada vez mais estratificados nos seus mundos, julgava eu que os ia
ouvir falar
sobre o que se proporiam fazer, uma vez eleitos, para defenderem a
coesão
social em risco.
Sendo o
sistema monetário europeu impeditivo de uma desvalorização da
moeda, que
tornasse as nossas exportações mais competitivas e desincentivasse
as
importações, não vimos discutida (porque, entendamo-nos, a matéria não é
tabu, menos
ainda em tempo de eleições) a permanência no euro, nem sequer
abordada a
necessária reformulação das políticas que o suportam, a começar pelo
papel do
Banco Central Europeu, que empresta a um para que nos reemprestem a
cinco.
Sendo o
chamado “pacto orçamental” mais suicida ainda para a nossa economia
que as
medidas selvagens de austeridade económica impostas pelo mainstream bem
pensante (e bem remunerado), entenderam os candidatos que seria mais
interessante
perorarem retoricamente sobre quem chamou a troika que explicar aos
eleitores as consequências draconianas que esse pacto terá
sobre os
desesperados a quem pedem o voto.
Sendo a
União Europeia, no dizer esclarecido de Pacheco Pereira, “um
monstro
híbrido e perigoso, controlado por uma burocracia que detesta a
democracia e
que acha que ela (a burocracia, clarifico eu) é que sabe como se
deve
governar a Europa e cada país em particular”, não julgaram os democratas
candidatos
ao Parlamento Europeu que seria obrigatório discutir o insustentável
défice
democrático europeu. Preferiram, com essa omissão assassina para a
democracia,
reforçar a ideia de que a única matéria que na União se sujeita ao
voto popular
é a sua eleição.
Sendo nós,
portugueses, um dos povos que mais sofreram com as políticas
erradas da
União Europeia, digam os candidatos o que disserem, mais ainda face
aos
esquecimentos que os assolaram, o escrutínio de domingo será sobre um
Governo que
foi além da troika. Mesmo com um
protocandidato
a recomendar “desabafem nas redes sociais, mas não deixem de
votar neles”
e outro a proclamar “dever cumprido”, muitos dos que não
considerarem
inútil o escrutínio de domingo não vão esquecer o que o duo
europeu
(Comissão Europeia mais Banco Central Europeu) da troika fez ao país e
que ficou fora da indigência discursiva dos candidatos dos
partidos do
Governo:
1.
Compulsando os orçamentos do Estado de 2011 a 2014, verifica-se que o
volume dos
juros pagos aos credores (28.528 milhões de euros) é quase idêntico
ao volume
obtido com o corte da despesa pública mais o aumento de impostos
(28.247
milhões de euros). Dito de outro modo, a degradação do Serviço Nacional
de Saúde e
da escola pública, o fecho de maternidades, centros de saúde e
repartições
de finanças, entre tantos outros serviços, a redução de salários e
pensões e o
aumento brutal de impostos, com nuances confiscatórias em muitos casos,
serviu para pagar só juros aos nossos
“benfeitores”,
sem que um cêntimo tenha sido abatido ao montante da dívida.
2. Apesar do
discurso impante do Governo e da troika (o que se compreende,
porque o falhanço de um é síncrono com o
falhanço da
outra), em três anos de aplicação de uma receita que não conseguiu
cumprir um
só dos seus múltiplos objectivos, a dívida da administração pública
cresceu à
razão média de 23.236 milhões de euros anuais, ou seja, aumentou
69.708
milhões de euros.
3. Três anos
de ajustamento expulsaram do nosso país 250.000 cidadãos e
elevaram o
desemprego jovem para o número quase redondo dos 50%. Ao mesmo tempo
que alguns
banqueiros transferiram créditos tóxicos para a nossa dívida
pública, a
coberto dos golpes que, sendo públicos, persistem impunes, 2 milhões
de
concidadãos estão condenados sem apelo nem recurso ao limiar da pobreza e a
classe média
está quase extinta. Salvam-se, reconheçamos, os mais ricos:
cresceu o
fosso que separa os 10% mais ricos dos 10% mais pobres. E não é só
porque
diminuiu a “riqueza” dos últimos. É sobretudo porque aumentou, e muito,
a dos
primeiros.
Santana Castilho
In “Público”
de 21.5.14
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