quinta-feira, 22 de maio de 2014




O PACTO ORÇAMENTAL

"SE ELES ESQUECEM LEMBREMOS NÓS !"


BRILHANTE E OPORTUNO TEXTO PUBLICADO NO JORNAL PÚBLICO NO PASSADO DIA 21.


    Foto:José Manuel Rodrigues



No domingo, voltamos às urnas para eleger os deputados de um parlamento com
pouco poder para operar as mudanças, muitas, de que a Europa carece. Sendo
assim no plano político-burocrático, blindado para servir os poderosos, a
cidadania europeia teria uma oportunidade ímpar (utopia a minha!) para
recuperar a dignidade que a ganância levou e a solidariedade desaparecida, que
alimentou outrora o sonho europeu. Mas a campanha dos partidos do Governo está
a ser um desolador mar de esquecimentos.

Sendo o Estado social um dos princípios fundadores da ideia europeia e uma
das vertentes mais abalroadas pela intervenção que acabamos de sofrer, não
ouvimos sobre o tema uma ideia nova, muito menos um par de soluções avançadas.

Sendo certo que está a chegar nova onda de fundos comunitários, esperava eu
que a campanha servisse para os candidatos se pronunciarem sobre a forma como
encaram as prioridades para os utilizar. E não se tendo dado relevância que
baste aos efeitos sociais da crise e ao acentuar dos desequilíbrios entre ricos
e pobres, cada vez mais estratificados nos seus mundos, julgava eu que os ia
ouvir falar sobre o que se proporiam fazer, uma vez eleitos, para defenderem a
coesão social em risco.

Sendo o sistema monetário europeu impeditivo de uma desvalorização da
moeda, que tornasse as nossas exportações mais competitivas e desincentivasse
as importações, não vimos discutida (porque, entendamo-nos, a matéria não é
tabu, menos ainda em tempo de eleições) a permanência no euro, nem sequer
abordada a necessária reformulação das políticas que o suportam, a começar pelo
papel do Banco Central Europeu, que empresta a um para que nos reemprestem a
cinco.

Sendo o chamado “pacto orçamental” mais suicida ainda para a nossa economia
que as medidas selvagens de austeridade económica impostas pelo mainstream bem pensante (e bem remunerado), entenderam os candidatos que seria mais
interessante perorarem retoricamente sobre quem chamou a troika que explicar aos eleitores as consequências draconianas que esse pacto terá
sobre os desesperados a quem pedem o voto.

Sendo a União Europeia, no dizer esclarecido de Pacheco Pereira, “um
monstro híbrido e perigoso, controlado por uma burocracia que detesta a
democracia e que acha que ela (a burocracia, clarifico eu) é que sabe como se
deve governar a Europa e cada país em particular”, não julgaram os democratas
candidatos ao Parlamento Europeu que seria obrigatório discutir o insustentável
défice democrático europeu. Preferiram, com essa omissão assassina para a
democracia, reforçar a ideia de que a única matéria que na União se sujeita ao
voto popular é a sua eleição.

Sendo nós, portugueses, um dos povos que mais sofreram com as políticas
erradas da União Europeia, digam os candidatos o que disserem, mais ainda face
aos esquecimentos que os assolaram, o escrutínio de domingo será sobre um
Governo que foi além da troika. Mesmo com um
protocandidato a recomendar “desabafem nas redes sociais, mas não deixem de
votar neles” e outro a proclamar “dever cumprido”, muitos dos que não
considerarem inútil o escrutínio de domingo não vão esquecer o que o duo
europeu (Comissão Europeia mais Banco Central Europeu) da troika fez ao país e que ficou fora da indigência discursiva dos candidatos dos
partidos do Governo:

1. Compulsando os orçamentos do Estado de 2011 a 2014, verifica-se que o
volume dos juros pagos aos credores (28.528 milhões de euros) é quase idêntico
ao volume obtido com o corte da despesa pública mais o aumento de impostos
(28.247 milhões de euros). Dito de outro modo, a degradação do Serviço Nacional
de Saúde e da escola pública, o fecho de maternidades, centros de saúde e
repartições de finanças, entre tantos outros serviços, a redução de salários e
pensões e o aumento brutal de impostos, com nuances confiscatórias em muitos casos, serviu para pagar só juros aos nossos
“benfeitores”, sem que um cêntimo tenha sido abatido ao montante da dívida.

2. Apesar do discurso impante do Governo e da troika (o que se compreende, porque o falhanço de um é síncrono com o
falhanço da outra), em três anos de aplicação de uma receita que não conseguiu
cumprir um só dos seus múltiplos objectivos, a dívida da administração pública
cresceu à razão média de 23.236 milhões de euros anuais, ou seja, aumentou
69.708 milhões de euros.

3. Três anos de ajustamento expulsaram do nosso país 250.000 cidadãos e
elevaram o desemprego jovem para o número quase redondo dos 50%. Ao mesmo tempo
que alguns banqueiros transferiram créditos tóxicos para a nossa dívida
pública, a coberto dos golpes que, sendo públicos, persistem impunes, 2 milhões
de concidadãos estão condenados sem apelo nem recurso ao limiar da pobreza e a
classe média está quase extinta. Salvam-se, reconheçamos, os mais ricos:
cresceu o fosso que separa os 10% mais ricos dos 10% mais pobres. E não é só
porque diminuiu a “riqueza” dos últimos. É sobretudo porque aumentou, e muito,
a dos primeiros.
  
Santana Castilho
In “Público” de 21.5.14



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