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Baptista Bastos
A grandeza de um e a tacanhez do outro
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Havia nele, no que escrevia e dizia, mas, também, na forma como fixava as coisas e os homens, essa espécie de iluminação que diferencia, essa diferença que ilumina. José Saramago foi um grande português, com duas pátrias amadas: Portugal e Pilar del Rio.Não há metáfora nesta afirmação. Pilar era a pátria redesenhada do seu próprio coração; e Portugal o desejo permanente, nunca apaziguado, da linguagem entendida como emoção e conquista.
Um português desta estirpe e desta grandeza jamais seria entendido pelo português minúsculo, sem dimensão e sem mérito - como é o dr. Cavaco. Saramago possuía a medida da pátria. O dr. Cavaco não dispõe da altura exigida pelas suas funções. Saramago amava o seu povo porque nos conhecia. O dr. Cavaco despreza-nos por ignorância.
Ao ausentar-se das cerimónias nacionais ao falecimento do escritor (do grande escritor), dispensou-se de se associar ao respeito colectivo, e expôs-se como uma criatura ressentida, medrosa, escondida, cabisbaixa. Este senhor é o mesmo que recusou uma pensão à viúva de Salgueiro Maia e premiou ex-agentes da PIDE, "por bons serviços prestados à pátria." É aquele que inventou a existência de escutas em Belém, num dos episódios mais grotescos e farsolas da II República. É o indivíduo que presidiu ao Ministério responsável pelo impedimento de José Saramago em se candidatar a um prémio literário europeu. Refiro-me, claro!, ao facto de ter silenciado sobre a decisão do subsecretário Sousa Lara, e do secretário Santana Lopes, ambos estes "governantes" da Cultura, em impedirem que o romance "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" fosse, sequer, admitido a concurso.
A nota oficial da Presidência da República, em que se pretende explicar a ausência do Chefe de Estado no velório de José Saramago, é um documento lamentável. Corresponde, aliás, à ambiguidade e evasivas com que promulgou a lei do casamento de homossexuais. O dr. Cavaco não enfrenta: evita.
As "explicações" que tartamudeou nos Açores são de molde a revoltar-nos pelo que comportam de divisão social, e pelo que exprimem de incompreensão relativamente ao significado cultural de Saramago, além da hipocrisia e do cinismo de frases como esta: "Não tive o privilégio de conhecer pessoalmente o escritor, embora tenha lido os seus livros." Estamos mesmo a ver o dr. Cavaco, nos tempos livres, sentado num sofá e debruçado nas páginas de qualquer romance do autor. Estamos mesmo a vê-lo.
É este cavalheiro de pouca estatura intelectual, minguada extensão de estadista, certamente o pior Presidente da República em democracia - é este homem sombrio e tíbio, vingativo e rancoroso que a Direita deseja manter em Belém.
Não há comparação possível, mesmo reclamando-nos de tolerância cristã e piedade sem peias, entre José Saramago e o dr. Cavaco. O primeiro orgulha-nos e enobrece-nos. Levou o nome da pátria às sete partidas do mundo; pôs-nos a reflectir e exigiu que não nos submetêssemos, que fôssemos homens livres, que rejeitássemos e combatêssemos a servidão. Nada devemos ao dr. Cavaco, a não ser decepções, arrogância, soberba, trapalhadas culturais. Nada, neste homem hirto, pouco à vontade, irritadiço, colérico quando contrariado, o recomenda ao nosso respeito, consideração e estima.
E poucos gostam dele, inclusive os da sua área ideológica, se é que ele sabe, em rigor, o que isso significa. O dr. Cavaco é um embaraço para os seus correligionários, e um pesadelo para os que admitem a democracia como uma instância de sabedoria, de compreensão, de complacência e de liberdade livre.
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José Saramago esteve sempre onde devia estar.
O dr. Cavaco está a mais onde está.
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APOSTILA 1. - Há uns anos largos, num programa de Margarida Marante, na SIC, foi apresentado um encontro aparentemente imponderável: D. Manuel Clemente, então reitor do Seminário dos Olivais, e José Saramago, já então muito conhecido e muito polémico. Foi um diálogo inesquecível. D. Manuel Clemente conhecia a obra do escritor, e este demonstrou uma atenção muito grande por tudo quanto o seu interlocutor dizia, sobretudo pelas interrogações sobre Deus e a religião que lhe formulava. Dois homens cultos, que se respeitavam e que expunham aos telespectadores uma forte dignidade nas suas opções essenciais e uma impecável decência nas suas interpelações e propostas. Ainda esperei que alguém, nos jornais e nas televisões, se lembrasse do acontecimento, e solicitasse a D. Manuel Clemente um depoimento, um artigo, um comentário sobre Saramago. Porém, a memória das Redacções parece estar irremediavelmente perdida. Na ausência desta grande figura da Igreja, perdemos todos, certamente, uma bela demonstração de pedagogia e de cultura. Paciência.
APOSTILA 2. - A hierarquia da Igreja Católica Portuguesa distanciou-se do Vaticano e do seu órgão, "L'Osservatore Romano", que, num artigo inconcebível, cobriu José Saramago de injúrias. Uma vergonha à qual os bispos portugueses recusaram associar-se, mantendo uma elevação moral que merece aplauso. Como aplauso merecem os padres Carreira das Neves e Tolentino de Mendonça pelas declarações que prestaram publicamente.
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3 comentários:
Belo post...Espectacular....
Um abraço
Apostila nº 3:
E o meu aplauso Baptista Bastos, pelo seu magnífico artigo, e para voçé por traze-lo aquí.
Esteve a le-lo pensando que era da tua propria autoría.
Em quanto ao dr. Cavaco, sem nada conhecer do seu bom ou mal fazer nas suas funçôes públicas, só posso falar da impresâo que me produz.
Que nâo é outra que a de uma pessoa ridícula. Atendí um pouco a derradeira campanha presidencial, e essa foi a impresâo. ´Ridículo no falar, no dizer, e na propria compostura emvarada.
Um abraço
CHANA
BEMSALGADO
Muito obrigado a ambps prlos amáveis comentários.
Abç
G.J.
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