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.AFURADA EM AZUL 2
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.AFURADA EM AZUL 1
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.CONTRALUZ 2
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.AGRADÊÇO À AMIGA SERENA POR COMPARTILHAR OS DOIS LINDOS SELINHOS COM O ARTE FOTOGRÁFICA E PEÇO DESCULPA POR SÓ POSTAR UM.O OUTRO VINHA NUM FICHEIRO DIFERENTE E NÃO O CONSEGUI TRANSFERIR.. 
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OBRIGADO SERENA
.CONTRALUZ 1.
.MEMÓRIA. ENTRELINHAS DE UMA MEMÓRIA.
OS DIAS DE CUIMBA 11.Ansiosamente aguardávamos pelos substitutos, mas da capital não chegavam notícias. Restava-nos esperar.
Esta espera permitiu-nos viver um dia diferente.
Aconteceu que no dia 31 de Julho fomos brindados com um espectáculo de variedades. A azáfama foi grande, tínhamos que receber condignamente quem, correndo riscos, vinha até nós para nos proporcionar um dia de alegria.
À frente do elenco, o saudoso humorista português Humberto Madeira. Acompanhavam-no três artistas de Angola, além da bem conhecida locutora angolana Ruthe Soares. (Por motivos profissionais, voltaria a encontrar esta senhora 30 anos depois, então a viver no Porto).
Vale a pena contar aqui um pouco da enorme emoção vivida naquele dia, começando por dizer que aquelas eram as primeiras mulheres que me era dado ver após sete meses de isolamento. Só quem tenha vivido situação idêntica poderá aquilatar da emoção a que me refiro..
.+ NA PRIMEIRA FILA Á ESQUERDA O CAPITÃO DE OPERAÇÕES DO 782MORRERIA ALGUNS DIAS DEPOIS DURANTE UMA OPERAÇÃO DE RECONHECIMENTO.O recinto preparado para o espectáculo estava cheio!
Vieram militares das outras companhias, a animação era geral e a festa prometia. As primeiras filas foram ocupadas pelos oficiais e sargentos, só depois as praças. O espectáculo decorria em clima de grande alegria e descontracção. Aplaudíamos calorosamente a actuação de uma das cançonetistas quando um jovem alferes se aproximou do palco, na mão levava um pequeno ramo de flores silvestres, a jovem agradeceu o gesto retribuindo com dois beijinhos.
Vendo isto, alguns dos assistentes saíram de mansinho, foram em busca das milagrosas mas raras florinhas. Não estranhei, por isso, que, ao regressarem, na mão trouxessem pouco mais que capim. Apesar disso, a fila dos “candidatos” foi crescendo, e sempre que acontecia um intervalo avançavam tentando a sorte. .
.A COMITIVA POSANDO NAS ESCADAS DA NOSSA CASA(quase que ficava fora da fotografia...rsrsrs).A confusão estava instalada (saudável confusão!), as incrédulas mas sorridentes senhoras esforçavam-se por corresponder a tanta “amabilidade”, tornava-se no entanto imperioso repor a normalidade e dar continuidade ao espectáculo. Seria o próprio comandante a impor serenidade aos jovens e acalorados oficiais. A festa terminou já a tarde se aproximava do fim, era tempo da simpática comitiva regressar a Luanda. Concederam-nos, no entanto, um tempinho para as fotografias da praxe.
Dias depois chegaram finalmente as notícias que tanto esperávamos. A ordem era de “arrumar as malas”, ou seja, o posto de escuta situado em Cuimba era extinto. Deveríamos encaixotar todo o equipamento, por forma a regressarmos a Luanda no dia 7 de Agosto.
Nunca uma tarefa nos deu tanto prazer..Continua
.LUZ, SOMBRA E COR.TRILOGIA NA AFURADA.
Foto - G.J.
.MEMÓRIA.
ENTRELINHAS DE UMA MEMÓRIA.OS DIAS DE CUIMBA 10.Ainda sobre estes “valentes” soldados do 782, não resisto a contar uma das peripécias mais hilariantes que vivenciei em Cuimba.
Os postos de sentinela ou de reforço tinham uma cama instalada para serem ocupados por dois soldados sempre que nos chegassem suspeitas de possíveis ataques ao aquartelamento. Nessas noites apagavam-se todas as luzes, ficava escuro como breu e ninguém via ninguém.
A ideia era que os dois homens se revezassem (enquanto um vigiava, o outro descansava), tornando-os assim mais confiantes.Naquela noite ouvimos alguém gritar bem alto por socorro, parecia-nos mais do que uma voz soando nas imediações da nossa casa. Levantámo-nos de supetão, ao mesmo tempo que nos interrogávamos: o que poderia ter acontecido? Abrimos a porta na tentativa de descobrir algo, mas a escuridão era total. .
.Foto: José Mesquita.Nada se viu, nada mais se ouviu e a normalidade voltou. Na manhã seguinte nem foi preciso indagar, já que era o tema das bem humoradas conversas à mesa do pequeno-almoço.
Terá acontecido que dois “maçaricos” de vigia estavam superassustados. O que àquela hora descansava adormeceu, no seu subconsciente o medo mantinha-se, sonhou que estava a lutar com um “turra”, rolou e caiu da cama. Estava confuso, traumatizado pela queda e não sentia o braço sobre o qual dormira.
Por sua vez, o soldado de vigia não via nada ao seu redor, mas ouviu muito bem o colega cair e gritar que lhe tinham cortado um braço…
Tomados pelo pânico, desorientados na escuridão, aos dois “valentes” sentinelas nada mais ocorreu que abandonar o posto e gritar por socorro.Lentamente, a vida em Cuimba voltou à rotina habitual. Os meus escritos apenas salientam que as colunas do 782 se esqueciam sistematicamente do nosso correio. .
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Este facto causava-nos algum desconforto, desconfiávamos até que poderia ser intencional, dado que os homens do novo Batalhão não encaravam com naturalidade o facto de a equipa da escuta ser autónoma, não integrar a escala de serviço, nem tão-pouco comparecer na formatura para as refeições.
A 26 de Junho comemora-se o dia da Cavalaria e tal facto constituiu uma salutar “pedrada no charco” na apatia do 782.
O avarento comandante decidiu celebrar condignamente o dia da sua Arma. Abriu os cordões à bolsa e, ao almoço, fomos agradavelmente surpreendidos com a ementa: nem mais nem menos que leitão e batatas fritas.
Foi o que se pode chamar um “bodo aos pobres”, mas logo retornámos à normalidade, ou seja, à má alimentação.
A nós, homens da escuta, restava-nos a satisfação do dever cumprido, dado estarem já ultrapassados os seis meses da missão. Alegrava-nos também o facto de o capitão Guerreiro ter regressado a Luanda.
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Continua
.MEMÓRIA. ENTRELINHAS DE UMA MEMÓRIA.OS DIAS DE CUIMBA 9.Passados os primeiros momentos, abri a porta de casa na tentativa de ver o que realmente se passava e o que vi era digno de um filme de acção. As armas “cantavam” de todos os lados, as luzes estavam acesas e no ar pairava uma atmosfera de guerra. De repente surgem dois vultos correndo na minha direcção, empurram-me e entram de chofre, fechando a porta atrás de si. Só então vi tratar-se dos nossos sargentos, que, lívidos de medo e de arma na mão, vinham ocupar os seus abrigos.Acabei por fazer o mesmo, peguei na MAUSER e corri para o abrigo que me estava destinado. Era atrás de uma coluna da varanda mas estava já ocupado pelo sargento Ramos (o abrigo dele era precisamente ao lado)..
.Cadaval, Simão e Gaspar .Aos empurrões, reivindiquei o meu lugar, mas ele resistia e clamava, chorando, “ai os meus filhinhos”.
Acabámos por compartilhar a protecção do mesmo abrigo, a eterna dúvida a bailar na minha mente: se “isto” for verdade, deverei ou não disparar?
Felizmente, não vi vulto nem “turra”. Ainda não foi dessa vez que a velha MAUSER entrou ao serviço.
A “coisa” durou cerca de uma hora e foi o suficiente para mais uma noite em claro.
Quando o dia amanheceu, entrou em acção o Pelotão de Reconhecimento. Embrenharam-se na mata, bateram as cercanias, mas nada foi encontrado. Dizia-se que os “turras” não deixavam ninguém para trás, mas se nem sequer manchas de sangue foram avistadas…(?!).

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Logo eu que sou antitabagista...!?
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Por outro lado, no acampamento não faltaram motivos de galhofa ao verificarmos que os abrigos, constituídos por sacos cheios de areia, estavam transformados em “passadores”, tantos eram os orifícios de bala.
A explicação é simples: transidos de medo, os soldados protegeram o mais que puderam a cabeça, disparando às cegas, sujeitos até a que algum projéctil fizesse ricochete e vitimasse o valentão.
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Continua
.COR E FORMAS.
MEMÓRIA.ENTRELINHAS DE UMA MEMÓRIA.
OS DIAS DE CUIMBA 8.Também a alimentação passou a ser pouca e má. O esquema era simples e acontecia com frequência. Alguns comandantes roubavam parte do dinheiro destinado à alimentação. Contavam, para isso, com a colaboração dos furriéis que nomeavam para o cargo de vagomestre.
Pretendendo agradar ao chefe, estes procuravam poupar o mais possível por forma a, mensalmente, depositarem nas suas mãos o dinheiro sobrante. Tive conhecimento de casos em que o comandante, não satisfeito com o “trabalhinho”, substituía o vagomestre e mostrava ao recém-nomeado as contas da administração anterior pedindo-lhe, inclusive, que se aplicasse para subir aqueles números..
.A equipa da Escuta.Não admirava, por isso, que a alimentação tivesse piorado tanto, além de que os cozinheiros do 782 se mostravam desprovidos de jeito para o desempenho das suas funções.
Havia agora fome em Cuimba. A solução era tentar na cantina algo para comer. Cantina que era também administrada pelo comandante e onde, “curiosamente”, sempre encontrávamos à venda o que nos faltava no refeitório...
Por vezes chegavam até nós informações via Polícia de Informação e Defesa do Estado (a famigerada PIDE) alertando-nos para a possibilidade de, em determinadas noites, recebermos a indesejada visita dos “turras”.
Sempre que tal sucedia, apagavam-se as luzes do acampamento e reforçavam-se as sentinelas..
.No dia em que encontrei em Cuimba um companheiro dos bancos da Escola.Suspeitas que quase sempre não passavam disso mesmo, mas que bastavam para nos deixar com os nervos em franja. Só que agora o Batalhão era novo e algo desastrado, teríamos de levar mais a sério essas denúncias, era agora maior a possibilidade de tal vir a acontecer.
Curiosamente, na noite de 6 para 7 de Junho não houve qualquer alerta. Teriam os “turras” descido a serra? Digo teriam porque não enxerguei nenhum. Admitindo que assim foi, teriam vindo para matar? Ou apenas para roubar alimentos, como tinha acontecido com outras companhias?
Não cheguei a saber.
Convictos de terem observado vultos no capim, os sentinelas dispararam as metralhadoras, levando a que os restantes militares pegassem nas armas e corressem para os abrigos. Não terão visto nada, mas despejaram os carregadores..Continua
.MEMÓRIA.ENTRELINHAS DE UMA MEMÓRIA
.OS DIAS DE CUIMBA 7.A chegada aconteceu a 12 de Junho e gerou grande alvoroço.
Os “velhinhos” do 670 foram recepcionar os “maçaricos” à entrada do aldeamento com saudações de grande “cortesia…”
Eu explico:
Fazia parte do nosso fardamento um pequeno boné em tecido camuflado que denominávamos por “Quico”. Era uma peça do atavio que todos roubávamos a todos. A maioria dos “maçaricos” respondia à saudação com o “Quico” posto e a cabeça fora das viaturas… À medida que recebiam as boas-vindas, ficavam sem ele… Poucos terão escapado a este gesto de boa vontade. Zangado estava o segundo-comandante, não achara graça ao atrevimento e reclamava o “Quico” de volta.
Durante cerca de uma semana conviveram em Cuimba os dois batalhões. Era tempo da passagem de testemunho. As instalações ficaram acanhadas para tanta gente e a comida teve de ser repartida por todos..
.FINGINDO DE OPERACIONAISDA ESQUERDA PARA A DIREITA: CADAVAL, FARIA, JOÃO E GASPAR DE JESUS.Foi com um misto de pena e satisfação que nos despedimos e desejámos boa sorte aos amigos do 670.
Sabíamos também que, durante o período de adaptação dos novos militares a Cuimba, teríamos de ser cautelosos. E não nos enganámos.
Depressa se revelariam desastrados no manejo das armas.
Era muito comum naquela zona de Angola encontrarmos jibóias (serpentes), cuja dimensão em estado adulto pode atingir os quatro metros e meio. Este “bichinho” pode facilmente engolir um homem depois de o asfixiar (recebemos até instruções sobre a forma de usar a faca de mato caso fôssemos atacados por aquele que é considerado o maior réptil de África)..
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Poucos dias após a chegada do 782, alguns soldados foram alertados pelo ganir aflito de um cão na periferia do aquartelamento, correram naquela direcção e depararam, espantados, com a serpente a engolir o pequeno animal.
Um deles correu à caserna e regressou de arma em punho, a intenção seria matar a jibóia, mas o primeiro a morrer foi o companheiro que estava na sua frente.
Também nos postos de vigia a falta de jeito para lidar com armas se manifestava. Sempre que uma ou outra rajada de metralhadora ecoava no aldeamento, já sabíamos que eram os rapazes a experimentar o material...
Os riscos eram bem evidentes. Por via disso, nunca mais passei por perto de um posto de vigia em Cuimba.
.MEMÓRIA.ENTRELINHAS DE UMA MEMÓRIA.OS DIAS DE CUIMBA 6
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.ALGUNS DIAS ANTES DE IR À MÁQUINA ZERO.. No início de Maio, a equipa de escuta foi surpreendida com a substituição do capitão Oliveira; o substituto, de apelido Guerreiro, era de estilo arrogante e pouco adequado à realidade de um cenário de guerra, destoando nitidamente dos seus pares no Batalhão 670. Acabou-se a boa vida, passámos a trabalhar das sete da manhã até à noite. Antenas novas, pintar, caiar, capinar (cortar o capim) para aí criar uma horta, etc., etc., etc. Acabaram-se as folgas, andávamos exaustos, com as mãos em ferida de tanto trabalho, mas ele achava sempre que fazíamos pouco.
A 9 de Maio, o Batalhão comemorou o primeiro aniversário da sua chegada a Angola.
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A MEIO DA MÁQUINA ZERO - UMA BRINCADEIRA COM O CADAVAL
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Rezam os meus escritos que houve festa rija e que, ao almoço, os oficiais degustaram – imaginem! – lagosta e leitão assado. Para os sargentos houve churrasco à brasileira, enquanto nós nos deliciámos com o belo bacalhau cozido com batatas e hortaliça. Um menu destes em cenário de guerra pode parecer algo irreal, mas aconteceu em Cuimba com o Batalhão de Caçadores 670.
Falta dizer que o álcool corria à vontade, e que, no fim do repasto, metade do pessoal estava bêbedo...
Terá sido para nós uma sorte os “turras” não terem descido a serra.
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.DEPOIS DA MÁQUINA ZERO.Acontecia também que, de vez em quando saía para a mata uma equipa de caça. Quase sempre voltava de mãos vazias, mas no dia 6 de Junho os homens regressaram com uma enorme pacaça (boi selvagem). Este troféu gerou grande contentamento em Cuimba e contribuiu para um acréscimo de qualidade no já de si excelente cardápio dos “Fronteiros da Canda”.
Atingidos os 13 meses de isolamento, com a sanidade mental dos militares a entrar perigosamente no vermelho, chegou finalmente a notícia que mais ambicionavam. Os seus substitutos já estavam em Luanda! Era por isso uma questão de dias.
Os substitutos eram os homens do Batalhão de Cavalaria 782, constituído maioritariamente por alentejanos e algarvios.