quarta-feira, 10 de maio de 2017

ANTÓNIO O «ERMITÃO»


(continuação)

Nunca esquecerei o maravilhoso eco que chegava aos nossos ouvidos depois de burilado pelo granito das montanhas. Foram largos os minutos que nós os três chamamos pelo António, mas nada. Íamos deambulando pelo maravilhoso tapete verde cercado de montanhas que a natureza tinha colocado ao nosso dispor.
Já pensávamos que tudo tinha sido em vão, que o António desta vez andaria por outras paragens, mas de repente vislumbramos um ponto minúsculo mas que ainda assim nos parecia um ser humano de pé no ponto mais alto de um dos Cântaros. É ele disse o José. Caminhando na sua direcção eu ia gritando, António, sou eu, lembra-se de mim? Viemos do Porto para o ver e falarmos consigo, desça daí por favor, desça António. Passado algum tempo a figura minúscula do pastor fez-nos a vontade, começando ainda que lentamente, a descer a montanha com as suas cabras até chegar junto de nós. Apesar da presença do irmão António falou connosco a contragosto, continuando a caminhar ao mesmo tempo que ia chamando por uma ou outra cabra tresmalhada ou dava orientações ao seu cão. Arriscamos uma pergunta; o que come o seu cão? O mesmo que eu! Mas também já se habituou a pastar junto com as cabras. O José para ajudar sempre foi dizendo, eu ou o pai, de vez em quando subimos cá acima e trazemos-lhe broa feita lá em casa e algum queijo feito por nós também. Sabe, ele não quer ir a casa, diz que é aqui que se sente bem, e continuou: de noite faz muito frio, mas há aqui pedras onde ele se abriga mais as cabras, dorme no meio delas. De repente o António estende-se no chão e bebe um pouco de água que encontra junto a uma rocha. A água tem aspecto pouco limpo, mas para o António isso não teve importância. À medida que o fotografava ia reparando que hábitos de higiene era algo esquecido há muito, não admirando por isso as pequenas feridas que se viam no rosto e nas mãos. Lembro-me de lhe ter perguntado se sabia quem eram o Presidente da República ou Primeiro Ministro de Portugal, mas a resposta foi NÃO. Passado algum tempo o António agarrou uma das cabras por uma das patas traseiras (foto) e, aninhado bebeu directamente das tetas da cabra. Pude reparar que, pelo buraco de uma saca já rota espreitava um pedaço de broa carregado de bolor. Ainda consegui dizer-lhe que não entendia como um jovem com menos de trinta anos virava costas à civilização, preferindo viver no monte com os animais não aproveitando para viver a juventude como qualquer outro. Respondeu-me com um encolher de ombros. Ganhei coragem e perguntei: aqui sozinho, como resolve no que respeita à sexualidade? Aí o olhar com que me fitou desencorajou-me de voltar a perguntar o que quer que fosse. (obteríamos mais tarde por interposta pessoa a resposta a esta pertinente questão). Despedimo-nos do António e do seu mundo lá nos Cântaros e iniciámos a descida com o José sempre a recomendar-nos que não olhássemos para baixo para evitar as tonturas. Não foi fácil, mas lá conseguimos chegar ao ponto de onde havíamos partido, olhando apenas para o sítio onde íamos pondo os pés.
 
(fim)




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5ª TERTÚLIA A 02 DE JULHO

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