segunda-feira, 25 de maio de 2020

A TRISTEMENTE CÉLEBRE 'GUERRA COLONIAL' (45)



Continuação.
A tripulação do pequeno barco era composta pelo Tenente, dois marinheiros e um jovem negro responsável pelo porão onde estava o frigorífico. Não tinha onde nos acomodar. Tivemos de viajar no pequeno convés junto à ré, agarrados ao varão que circundava a pequena cabine. Durante algumas horas a viagem correu bem, até brincamos, devolvendo à água os peixes-voadores, que de vez em quando vinham ter connosco. Mas durante a noite “o mar levantou-se”. Preocupado connosco e possivelmente arrependido da responsabilidade que tinha assumido várias vezes o Tenente veio verificar se ainda estava-mos todos e recomendar que não largasse-mos o varão, que falasse-mos uns com os outros para evitar que algum adormecesse e fosse empurrado para o mar. As ondas eram cada vez maiores, varriam o barco da proa à ré. Estava-mos muito assustados, mas convencidos que o varão que nos prendia à vida era a nossa salvação. Horas mais tarde foi um dos marinheiros que nos veio contar; perguntamos pelo Tenente; disse-nos que estava doente, tinha vomitado muito.
O mesmo acontecia connosco (excepto o "valente" Minga, que gozava connosco chamando-nos de “meninas”).
Os dois marinheiros não estavam melhor, várias vezes os vimos aflitos, até que um deles veio a cambalear, agarrado ao varão e disse-me (era eu que estava daquele lado) ó pá queres levar o barco? Eu...? respondi, você não está bom! Mas ele insistiu, anda daí comigo e agarra-te bem. Estás a ver, é fácil, basta manter esta agulha aqui e amanhã de manhã estamos em Luanda. Cada vez mais assustado pensei, o homem está maluco e, regressei ao meu lugar. Nunca mais vimos nenhum dos marinheiros.
Felizmente aconteceu que, à medida que o dia ia nascendo o mar foi-se acalmando. Até já dava para ir espreitar a cabine: foi então que percebemos que quem nos conduziu até Luanda foi o jovem negro, responsável pelo frigorífico.
Resta-me acrescentar que o companheiro Minga que toda a noite nos tinha chamado “meninas”, assim que pôs os pés em terra, passou também a ser “menina”.

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5ª TERTÚLIA A 02 DE JULHO

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